sábado, 19 de setembro de 2009

Duas considerações em torno do mesmo assunto.

Aqui eu me expresso com a fé de quem faz, e não com a de quem apenas teoriza. Exponho meu ponto de vista sobre a criação artística, minhas interrogações e minha desilusão:

Para mim, o ato de criar tem origem no pensamento. A partir daí - e à luz da minha própria consciência - percebo abrirem-se em leque todas as possibilidades. Então me entrego, pacientemente (e prazerosamente!) a um impulso de análise e de inquirições sobre o Homem, o mundo (o mundo real e seus valores), o tempo e sua duração, as coisas simples do meu entorno, sobre eu mesma e meus próprios labirintos. Deixo que tudo se interpenetre sem preconceito, sem restrições. Inevitavelmente, todas essas preocupações se fundem e se reafirmam em minha criação, com poucas variações de interesses. Essa procura, essas interrogações parecem nunca ter fim. Observo que, durante toda a minha trajetória, o que tem mudado sempre é o meu olhar, a minha percepção do mundo. As interrogações prosseguem num crescente.

A utilização dos meios técnicos possíveis, no meu trabalho, sempre foi uma opção de momento. Apesar de grande relevância na criação de uma obra de arte, isso é o que menos importa aqui. Já a cor, o tratamento da cor e seu simbolismo têm muita importância para a minha pintura. Isso porque ela, a cor, tem a função primordial de enaltecer o sublime da Arte. De nos aproximar dos valores específicos dos planos mentais e íntimos, aqueles próprios da expressão artística. Graças à cor, a pintura se adequou tão bem aos meus objetivos. Deve ser por isso, que eu a elegi inconscientemente, a linguagem plástica ideal, para melhor me comunicar com o mundo.

A criação de uma série de obras exige de mim coerência e vôo. Exige uma internalização poética de algo já conhecido, já criado desde o início dos tempos, tanto quanto de novos elementos, idéias e conceitos que espelhem a realidade do homem atual e do mundo em que vivo. Entendo como transversalidade, esse ir e voltar no tempo.

O ato de pintar, para mim, é sempre uma procura, um jogo excitante. Às vezes pleno de angustia, outras vezes divertido e alegre e até engraçado. Um jogo sujeito a tudo, até à eliminação do supérfluo ou de acréscimos inesperados ou de simples acasos. Em muitos momentos, esses “acasos”, quando bem aproveitados, me conduzem a metáforas, ou a soluções plásticas tão felizes que, sob o rigor racional eu não conseguiria percebê-los. Daí a necessidade, a grande importância do intuitivo, do sensível, do espontâneo, na criação artística. Por isso preciso pintar sempre muito concentrada, alerta e entregue, para me defrontar com o imponderável, com o maravilhoso da criação e captá-lo na hora certa. Isso, quando acontece, é a coisa mais emocionante do ato de pintar. Sou atraída por esse prazer “viciante”, e momentaneamente pleno. É a razão de ser, o motivo maior da minha paixão pela pintura.

Penso que toda fonte de Arte é ao mesmo tempo velhíssima e nova. O artista não cria nada do nada. Eu o comparo com alguém que admira a infinitamente vasta e complexa obra do Mestre e, inconscientemente e de alguma forma, acaba por introjetá-la – mesmo quando pretende afasta-se dela, descartá-la, exorcizá-la de si ou negá-la, radicalmente, como algo ultrapassado ou inútil. Nada é inútil e ultrapassado na criação artística. Mesmo quando o artista cria um discurso arrogante e incompreensível para os simples mortais (bem ao gosto da mídia ou da crítica), mesmo quando afirma bastar-se a si mesmo, sendo ele próprio sua única fonte poética, porque ele mesmo já é linguagem. Mesmo assim, reafirmo: nada é inútil e ultrapassado na Arte.

Acredito que a obra de arte sempre nasce (isso, em todas as épocas), desde quando o mundo é olhado pelo artista sob um véu poetizante. Segundo as digitais do próprio dedo. Segundo o próprio entorno e a sua própria consciência. Do artista nasce sempre algo com cara de novo, mas sem conseguir romper os anéis da antiqüíssima cadeia do conhecimento, sem apagar os traços ancestrais impressos como tatuagens na alma de qualquer ser humano. Esta seria, a meu ver, a curiosa liberdade do ser humano: seja ele artista ou não. O artista é o encantador, o mago, o alquimista: É o que cria. Mas, como todo ser vivo (humano, animal e até vegetal), nem mesmo ele está imune as suas origens. A Arte é transformadora por natureza e nasce do ser desarmado, sem preconceito, sem medo de ser o que é, sem querer ser o que não é, ou tentar fugir de suas raízes: sem trapacear... Uma obra verdadeira guarda em si esses valores de autenticidade. E, somente a partir daí, ela mereceria atingir a universalidade. Acredito nisso.

Portanto, toda obra de Arte tem raiz no início dos tempos e no ambiente onde o artista foi forjado. Criar é tão velho quanto o mundo e tão novo quanto o agora - essa fração de tempo chamada de hoje. Penso eu.

Inventam os mais diversos nomes, como estilos, tendências, correntes, linguagens e, sob siglas convincentes, teorizam, catalogam e perpetuam as obras e os grandes artistas, através dos séculos. Muito bem. Isso facilita o estudo e a compreensão da Arte produzida em todos os tempos até os dias atuais. Pode-se chamar de erudição a esse conhecimento, quando ele é profundo, fundamentado. Mas, chamar (como tenho ouvido alhures, e da boca de pessoas conceituadas), de “evolução da Arte” ou “evolução da Poesia” ou “evolução da Pintura, ou das Artes Plásticas ou de qualquer outra modalidade de linguagem artística” a essas transformações naturais, eu me atrevo a discordar... Penso que o termo “evolução” melhor se aplica à Ciência e às Tecnologias. Essas evoluem continuamente, sem sombra de dúvida. É admirável essa evolução contínua! A ciência e a tecnologia podem até estar a serviço da Arte – e de alguma forma, sempre estão - mas não a fazem evoluir, por si mesmas. O que ocorre com ela, a Arte, são transformações, mudanças, adequações ao tempo do artista, à consciência que ele tem do mundo em que vive, de si mesmo e do seu olhar. Não evolução. A Arte pertence ao atemporal, ao espiritual, ao sublime: por isso é transcendência.

O resto é arrogância...

Para fechar meu pensamento cito o final de um poema de Fernando Pessoa: “O que há é pouca gente para dar por isso”.

Qual seria o sentido (ou a justificativa) para uma Exposição de Arte?

Como artista e como apreciadora da arte dos meus colegas eu tenho a resposta pronta:

1) Como artista: – Desejo mostrar minha produção e submetê-la à apreciação crítica do público e dos chamados críticos de arte. Desejo ainda avaliar, eu mesma, com mais clareza e uma severa postura de autocrítica, minhas obras reunidas num ambiente apropriado, amplo e longe do tumulto do meu pouco espaçoso atelier. Considero um desafio e uma superação cada mostra que realizei. A auto exigência é condição essencial para alcançar esta superação. Finalmente desejo aprender com as opiniões dos apreciadores e visitantes das minhas exposições. Desejo muito isso.

2) Como apreciadora: - Desejo fruir cada obra exposta. Desejo tentar percebê-la do ponto de vista estético e, se possível, penetrar nos seus mistérios. Desejo observar - atentamente e sem pressa - a produção dos outros artistas e, finalmente, aprender com eles - porque todo mundo tem algo a me ensinar. Por esses motivos visito exposições, galerias e museus.

Nos dois casos, o desejo de prazer, de aprendizado, de conhecimento e de crescimento pessoal tem a mesma intensidade, a mesma justificativa em mim.

Infelizmente, nas minhas exposições e nas inúmeras outras que tenho visitado, não é exatamente o que acontece, sobretudo com a parte do público formada por artistas. (Sem me esquecer, evidentemente, das várias e muito honrosas exceções, claro!). Percebo que, de maneira geral, poucos param para ver as obras, mesmo superficialmente. Muitos lançam do centro da galeria, apenas um olhar rapidinho, panorâmico, distante... Parece que o mais importante em estar ali é fazer contatos, marcar presença, formar rodinhas, bebericar e partir rapidinho, para outros programas do gênero, ou mais divertidos.

E os chamados “críticos de arte”? Será que costumam ir às exposições? E se foram, pararam diante de cada obra, analisaram com atenção, sem pressa e sem preconceito - já que pressa e preconceito não coadunam com a índole de intelectuais – e, do ponto de vista estético, as viram com olhos de ver? E ao final teriam eles algo a acrescentar ou a nos ensinar a nós, os artistas expositores? Seria tão bom se tivessem...

É hilariante observar, do meu canto, a essas pessoas e a sua empáfia. E todas elas assinam colunas nos jornais. Todas elas são “credenciadas”, filiadas à Internacional Associação de Críticos de Arte - como um troféu por competência? Então, qual seria mesmo a função social, educativa ou cultural desse tipo de profissional? Qual seria mesmo o critério para alguém ser aceito na Associação Internacional de Críticos de Arte? Gostaria que alguém me explicasse.

Por conseguinte, torna-se muito entediante “fazer exposição” em Belo Horizonte. (Opa! Até rimou...) Para quê?

Tudo, menos o tédio! – volto a parafrasear Fernando Pessoa.







Na primeira postagem intercalei trabalhos de várias fases: das mais antigas as mais recentes (menos "As Meninas de Mariza", ainda inédita). Isto porque eu mesma queria observar o meu grau de coerência na elaboração da minha obra - já que o mote do meu trabalho é quase sempre o mesmo.

Nesta segunda postagem decidi mostrar dois grandes dípticos e um tríptico da década de 1980. Série "Agnus Sei" (uma referência a música de João Bosco e Aldir Blanco, que era tudo de mais parecido comigo e com o meu pensamento daquela época) e "As Indulgências".


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