sábado, 3 de abril de 2010

Goya – Meu mestre

A importância de Goya, para a minha obra, é o resultado de uma paixão tardia.
Em 1983 pintei uma tela tendo como tema a Inconfidência Mineira, para uma exposição no Palácio das Artes – atendendo a um convite de Márcio Sampaio. Ao receber e observar a pintura - um grande díptico - Márcio exclamou: “É um espetáculo goyesco!” Fiquei muito feliz, claro, mas não percebi onde estaria Goya, ali, confesso envergonhada... Até aquela época, eu não conhecia bem a obra desse artista. Meu contato com ela tinha sido rápido e superficial, durante os estudos acadêmicos de História da Arte.
Mas, a partir daí, a princípio por curiosidade e depois por paixão, eu passei a estudar a obra desse grande mestre da arte espanhola. Aliás, tenho paixão pela arte espanhola de todas as épocas, sobretudo a pintura.

Em 1987 comprei alguns volumes da Colección Comunicación Visual – Série Gráfica. E, lá estava, entre Picasso, Rembrandt, David e outros, um volume com desenhos e gravuras de Goya. Minha admiração por esse artista maior consolidou-se definitivamente. Lá estava toda a sua genialidade e mestria. Sua força expressiva passou a motivar e contaminar, mais e mais, meu trabalho.

Goya é meu mestre e meu referencial maior. Ele me ensina a pintar e a desenhar. Ensina-me a compor e a refletir sobre as questões complexas da Arte e da Vida. Mas ele me ensina também a humildade para reconhecer meu engatinhar pelos caminhos complexos e fascinantes da pintura.

Goya é meu salvador. Nos momentos de impotência, desalento e dúvidas, ele me chega, através de suas lições de coragem e liberdade de criar. E me aponta a diferença entre uma verdadeira obra de arte e as outras...

Goya me emociona com sua história de vida, seu caráter apaixonado, sua consciência política, sua ética, sua enlouquecida paixão pela liberdade, pela justiça, pela vida e o prazer. Aquela poderosa inteligência criadora, capaz de inovar a arte do seu tempo, (além de sua obstinação em fazê-lo de forma quase ininterrupta) me enche de uma enorme esperança na vida e no Homem. Uma esperança que se estende até a minha própria motivação de existir e de prosseguir pintando, malgrado tanto desalento...

Meu encantamento por Goya não se concentra apenas em sua pintura ou em sua extraordinária pessoa – fortes, expressivas e indomáveis, (e cujo olhar nos revela um poder espiritual e psíquico verdadeiramente incomum). Sua obra gráfica é genial!... Tudo ali é tão verdadeiro, claro e ao mesmo tempo tão simples, que me convenço: a beleza e a verdade estão realmente contidas na simplicidade... Tudo ali é compreensível, mesmo para nós que vivemos 264 anos à sua frente, ou melhor, à frente do seu tempo. Em competência, acho que, a grande maioria de nós artistas está mesmo é a1264 anos atrás dele...
O excesso de adjetivos que uso neste texto demonstra meu “descontrole emocional” e o meu descompromisso com a boa literatura ao discorrer, de forma apaixonada, sobre esse meu ídolo!... Que me perdoem os críticos e puristas!

Na obra gráfica de Goya, a mensagem chave contém a história política, econômica e social da Espanha do seu tempo (tempo tumultuado e trágico), assim como as formas populares de linguagem (no que se referem aos relatos, crenças, superstições e tradições).
Através de um desenho simples e vigoroso, forma e conteúdo se completam com sabedoria. Uma ironia cáustica, um senso arguto de observação de um artista ao mesmo tempo vitima e testemunha de uma tragédia descomunal.
Nos CAPRICHOS, nos DISPARATES, nos DESASTRES DA GUERRA, na TAUROMAQUIA, (tanto quanto nas PINTURAS NEGRAS e outras): A obra de GOYA é límpida, sem joguinhos espertos com o observador, sem subterfúgios. É a transfiguração poética e avassaladora dos fatos e da violência do seu tempo.Sua obra é a sua cara, seu pensamento livre e indomável, seu amor e seu ódio, sua coragem, seu humanismo, seu grito de repulsa ao aviltamento dos corpos e dos espíritos produzidos pela guerra e a Inquisição.

FRANCISCO DE GOYA Y LUCIENTES, o primeiro grande pintor “moderno” foi um artista visionário. Soube criar uma obra revolucionária, mas longe do panfletário e da banalidade política. Ele nos ensinou a perceber a diferença entre uma obra engajada, revolucionária, criada por um grande mestre e as outras...
Bebo com avidez nessa fonte de sabedoria. E, se não consigo melhorar como artista, ser humano ou pseudo-intelectual será por absoluta incompetência minha.
Bem ou mal prossigo nessa paixão que me revitaliza, me ensina e me estimula a procurar ser uma boa pintora à sombra do meu grande mestre.

Mariza Trancoso


BH, março de 2010

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